5.9.06

Capitulo VIII - Sozinho em Berlin...

600km de viagem.. Alguma tensao quando um grupo de dois rapazes e uma rapariga que me deu boleia me diz “Ah se ficares aqui ficas um bocado mal porque esta auto-estrada esta virada para Sul e vai ser dificil encontrares quem te leve para Norte (perto de Nurnberg). Nos vamos a casa buscar umas coisas, demoramos meia hora e depois vamos para a Austria, por isso podemos deixar-te na direccao corecta.“
Nao deixa tar. Eu prefiro ficar na auto-estrada. Seguranca acima de tudo e em caso da minima suspeita, diz Nao.

Fico na estacao de servico. Alivio quando saio da carrinha.

Um casal simpatiquissimo que entrou de ferias e vai para Strasburg decide fazer um desvio de algumas dezenas de km para me deixar na A9 direccao Norte - Berlin. Obrigado. Super simpaticos. Sim, eu prefiro acreditar nas pessoas. Existem pessoas boas e eu acredito que serao a maioria. Mesmo as que nao me dao boleia serao provavelmente boas mas tem medo de aceitar um estranho potencialmente perigoso no carro. Eu percebo. E agradeco sempre desejando boa viagem. Por isso e que faco a barba.. Para parecer menos vagabundo…

Quando sai de casa para seguir viagem para Berlin, olhei para as ruas e percebi: “Merda, sair de casa num Domingo de manha para ir para outra cidade nao foi boa ideia! Quem e que se levanta num Domingo de manha para se meter na autoestrada?” Felizmente mais tarde corre melhor porque ha muita gente a voltar para casa de fim-de-semana.
Sair da cidade parecia vir a ser dificil.. Ainda por cima porque estava a mais de 10km da auto-estrada. So com um golpe de sorte conseguiria sair de Tübingen de manha.

Bomba de gasolina. Jipe grande. Casal de 60-70 anos… Dificilmente conseguirei mas vale sempre a pena tentar. Pergunto ao senhor (pergunto sempre ao conductor…) Diz-me que lamenta mas nao pode. Previsivel. Ha que tentar com outras pessoas. Mas ao lado deste estava a sua esposa. Falou com ele. Sai do carro e diz-me “Podes vir” Ele vai comprar algumas coisas e ela fica na conversa comigo. Sempre boa ideia tentar perceber com quem se esta a lidar. Eu nao tinha medo pois com a idade deles provalvelmente estavam a passear e nao representavam grande ameaca para mim. Ja para eles e diferente. A idade enfraquece. Fragiliza. Eu posso ser uma ameaca.

E por que mudaram de ideias? Ela. Ela tambem viajou a boleia quando era mais jovem. Fica na pele. Fica no sangue. Fica nos ossos.
Passaram a noite em Tübingen porque queria ver o museu da Mercedes em Stuttgart mas os hoteis estavam cheios por causa do Alemanha - Irlanda. Pela primeira vez, obrigado futebol.

Viagem continua. Dormi imenso. Estava cansado. Estive em 7 carros diferentes. Em 3 destes as pessoas fizeram um desvio na sua viagem para me deixarem num sitio melhor para apanhar a boleia seguinte. Podiam semplesmente ter-me deixado num sitio pior e ja assim ter-me-iam feito um enorme favor. Mas nao. Ajudaram-me. E dizem que isto e perigoso! Eu acredito nas pessoas. O mundo pode ter muita coisa podre mas tem muita coisa boa.

Um casal cujo conductor nao conduzia la muito bem (mas quem sou eu para ser exigente se ja me estao a fazer um favor?) deixou-me a entrada da antiga Alemanha Oriental. De seguida pergunto a uns suicos se me levam ate perto de Berlim. “Sim. Claro. Sem problema.” Uma vez mais digo, o melhor e viajar com casais. Nesta viagem, tirando o grupo de tres, foram todos casais.
Entro num carro jeitoso, comeca a viagem. Logo a entrada da auto-estrada percebo que ele gosta de acelerar. Felizmente tem um carro bom. Se tudo corer bem chegamos a Berlin bem depressa. Adormeco. Descanso. Casal pouco falador. Eu tambem porque estou cansado. Acordo. Viajamos a 220km/h. Conducao segura. Carro estavel. Optimo. I´ll be there in no time!

Fico perto de Berlin. Encontro outro casal. Duas criancas. Mostram-me fotos. Amam-se. Ve-se bem e e bonito. Sorrisos, caricias, quimica. Juntos ha pelo menos 10 anos e demonstram em cada 3 minutos o porque de estarem juntos.
Falam comigo sobre Berlin. Sobre viagens.
“Porque Berlin? Nao percebo” diz ela. “Os alemaes sao teimosos. Sao brutos.”
“Berlin e uma cidade muito grande. E numa cidade grande, uma pessoa encontra-se varias vezes sozinha.“ Diz ele. “Em Berlin existem muitos emigrantes. Existem pessoas que nao gostam. Existem problemas. Ha que ter os olhos sempre bem abertos. Pricipalmente quando se viaja sozinho.“

Eles estao mesmo preocupados. “Tiveste muita sorte em nao ter problemas viajando a boleia. Um amigo meu ja teve problemas duas vezes e numa delas foi parar ao hospital.”
Ve-se na cara deles medo. Medo de que os seus filhos de 10 e 9 anos crescam rodeados de mal.
Mas porque estao em Berlin, entao? “Berlin e uma cidade de muitas oportunidades. De muitas possibilidades. Em Berlin encontra-se tudo o que se quer. Quando ja nao somos tao jovens (imediatamente leva uma chapada dela) ja nao e tao agradavel. Por isso e que vivemos neste bairro de casas pequenas e mais nos arredores de Berlin.”

Acima de tudo, atencao. Olhos bem abertos e cuidado.

Deixam-me na entrada do metro. Obrigado por tudo.

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O meu contacto nao me responde. Nao tenho chave de casa.

Entro no metro de Rudow. Compro bilhete enquanto falo com uma rapariga que decidiu fazer-me sentir benvindo a esta cidade. Chega o metro. “Espero que te divirtas em Berlin. Boa viagem.”

Sento-me. Na outra carruagem sentam-se 4 rapazes “suspeitos”. Daqueles que me fariam atravessar a rua em Lisboa. Aqui entao. Olho para a minha enorme mala (a que aprendi a amar e que aos poucos deixa de ser desconfortavel nas costas), percebo que estou vulneravel. Uma enorme etiqueta a dizer “Turista” e o peso da mala sao obstaculos. Sinto-me vulneravel.

Chego a estacao. O meu contacto nao atende. Outra e outra vez. Finalmente atende. Aparece na proxima estacao. Ok, vou agora. Entro no metro. Poso as malas. Entram quarto rapazes de cabelo rapado e brincos e todo o aparato. Tenho medo. Pego nas minhas coisas. Aproximo-me de um grupo de homens. Sim, estou sozinho e com uma enorme mala. Tenho medo. Nao medo da cidade. Nao medo de nao gostar ou de ficar desiludido com a cidade, como ha uns dias atras. Tenho medo pela minha vida. Entro no metro. Tudo ok. Saio, encontro o Oli. Chave na mao. Entro no metro que chega 5 segundos depois. Obrigado. Adeus.

Vou para casa. Entro. Tranco a porta com chave e duas trances. Nao me sinto be. Tou apavorado.

A cidade e enorme. E desconhecida. Tem ameacas. E quase noite. Se tivesse chegado duas horas depois ou tao tarde como em Zurique, morria de medo.
Poso a mala. Tou em casa. Olho a volta. Que casa linda! Aquece um pouco. Entro no quarto da Sarah, minha amiga, e vejo um pouco dela nas coisas do quartos. De repente sinto-me um pouco melhor. Um pouco mais quente. Mais calmo. Casa tao bonita. Tao pessoal. Como ela diz: “Pode nao ser o bairro mais lindo de Berlin mas a nossa casa e de certeza uma das mais lindas.” E tem razao. A casa acalma-me.

Sento-me. Lagrimas. Tudo forte demais. Medo de nao aguentar. Senta-te. Para. Acalma. E noite. E compreensivel que estejas assim. Ligo musica. Respiro. Vou escrever. Nao. Ainda nao. Acalma. Abro o meu mapa e acabo de tracar o caminho para Berlin. Cheguei a Berlin! Desafiei-me e venci. Estou aqui. Desde o momento em que me desafiei a vir percebi que conseguiria. Comeco a conhecer os meus limites.. Melhor, a ultrapassa-los. A caneta percorre o caminho. A memoria percorre a viagem. A caneta entra na cidade de Berlin. Estou aqui, em Berlin.

Sonhei com a historia. Sonhei com as imagens que via. Sonhei com a cultura e com uma cidade que 16 anos depois da queda do Muro continua a procura da sua identidade. Sonhei com tanta coisa. Esqueci-me de sonhar com as pessoas que ca vivem. Esqueci-me de sonhar com os problemas que existem.

Jantar. Escrevo. Filme? Comeco mas nao me apetece. Espirito demasiado aos trambolhoes para ver um filme. Olho para dentro. Vou dormir. Amanha passeio. Obrigado musica por me fazeres sentir bem. Air.

Acordo. Tomo banho. Como. Tenho que ir as compras, que lavar a loica e regar as plantas (prometi a Sarah que o faria). Arrumo as coisas. Visto calcoes (ha muito que nao o fazia.. chuva e frio). Arrumo a mala. O livro fica. Hoje tenho muito para andar e ver. Nao vou parar para ler. Nem sequer conseguia.
Saio a rua so com a minha mala de tira colo. Agora sim estou seguro. Sou eu. Nao tenho etiqueta. Nao me visto como um turista. Ando como se a cidade fosse minha. Agora sim, sinto-me mais seguro.

Saio. Metro? Nao. Hoje nao. Por agora tenho que caminhar. Ver as ruas. As pessoas. O lixo na rua. Os sinais. As conversas. As vistas “famosas” aparecem no caminho.
Ruas que no mapa parecem pequenas aqui demoram meia hora a ser percorridas. Sinais que indicam os locais turisticos e as distancias a que estao. 1500 m, 500m, 750m, 2500m. Cidade enorme. Caminho quase sem parar. Acabei de estimar no mapa. Ontem fiz, pelo menos, 20km a pe. Que abuso. Ruas que parece que nunca mais acabam. “Entao? Ainda nao e desta?!”

Vejo tanta coisa.

Cidade tao bizarra. Nao tem uma unidade. Uma identidade. Tem varias. Sao varias cidade numa.
Predios baixos. Ruas largas. Ve-se o ceu como se fosse uma cupula. Que imagem linda. Cidade tao bizarra e tao bonita. Cidade que guarda nela um mundo. Imensas culturas. Tanta coisa. Indescritivel, na verdade. Sento-me. Tiro fotografias. Passeio. Viro no bairro mais pequeno. Raramente vejo os turistas. Eles vao ao posto de informacao e dizem “Estou ca durante um dia. Da para ir a Potsdam e ver a cidade de Berlin tambem?” Eu caminho por sitios que nem estao nos mapas deles. Por Berlin. Pelas ruas de Berlin. Berlin nao e so a Unter den Linden.

Sempre a andar. Aproxima-se a noite. Prefiro ir para casa. Jantar num restaurante que a Sarah recomendou. Sento-me e sinto-me perto dela. Sim, este sitio e a cara da Sarah. Faz-me sorrir. Durante o dia troquei uns sorrisos com pessoas que ca vivem. Existem pessoas boas.

Volto a casa. Jantar. Filme? Um pouco. Nao me apetece mais. Ler um pouco. Ver um pouco sobre Berlin. Amanha tenho mais um dia. Vou dormir.

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Acordo tarde. Como. Hoje almoco em casa e escrevo. Sao agora 14h. Vou sair daqui a pouco. Passear por ruas diferentes. Amanha compro bilhete de 7 dias de metro. Hoje ainda nao. Preciso de ver. Olhos abertos. Caminhar sem musica. As fotos deste Verao ja chegam quase as 400.

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Uma amiga chama a minha ajuda. Esta agora sozinha e tem alguns problemas com isso.
Nao e mau. Temos que aprender a estar sozinhos. Ou melhor.. Temos que aprender a estar conosco. Aprender a gostar de estar conosco. Viver conosco. Decidirmos e vivermos como queremos.

Uma amiga minha passou exactamente pelo mesmo este verao e ela ja tem mais alguma experiencia de vida que eu. Mas teve que aprender a estar sozinha. Milhares de km entre nos mas viviamos o mesmo. Ela em portugues, eu em catalao.

Sim amiga, temos que aprender a viver conosco. A nossa felicidade nao esta dependente de estarmos com alguem. De acordarmos com alguem. De sorrirmos com alguem.
A nossa felicidade tem que comecar ca dentro. Tem de comecar dentro de ti e dar entao alicerces e bracos para que possas abracar os outros. A nossa felicidade deve, em primeiro lugar, estar dependente de estarmos conosco mesmos. De acordarmos conosco. De sorrirmos sozinhos.

So se formos felizes com quem somos e que poderemos, em pleno, projectar isso nos que nos rodeiam. Seja o senhor da pastelaria, seja o nosso melhor amigo, seja a pessoa que acorda ao nosso lado.

Nao e facil estar sozinho. Nao e facil acordar e nao ter objectivos para o dia. Nao e facil nao ter com quem falar durante um dia inteiro. Estou acordado ha 3 horas e ainda nao disse uma palavra. Ontem estive horas sem fim na rua sem proferir uma unica palavra. Tratamento de choque talvez. Mas aprendo a estar comigo. Aprendo a conhecer-me. Tenho tempo para isso. Se calhar se estivesse com alguem podia partilhar o que sinto. Decidi sair sozinho. Talvez hoje meta conversa com alguem. Talvez consiga alguem com quem falar e com quem goste de falar. Nao e facil chegar a casa e nao ter ninguem.
Por vezes nao quero tar na rua mas tambem nao quero tar em casa. Mas foi um desafio que lancei a mim proprio. Foi um desafio que percebi que tinha que vencer se realmente quero sair de casa, sair de Portugal, sair da minha vida.
Entrei numa cidade com 3,5 milhoes de habitantes. Por vezes e dificil somente fazer planos para o dia seguinte pois a cidade tem um tamanho de tal maneira avassalador…

Podes escolher viver sempre com alguem ao teu lado. Os pais estao sempre la. A familia esta sempre la. Os verdadeiros amigos estao sempre la.
Mas e tu? So estas la se eles estiverem? E isso que tens de descobrir. E a melhor maneira e faze-lo sozinho. Lutar com as tuas maos. Vencer com as TUAS maos. Nao imaginas a alegria que me deu sair de Barcelona ainda com 60 euros na mao sabendo que nao tinha gasto nada que nao tivesse ganho. Foi a minha luta. Foi a MINHA vitoria.

Sim tenho saudades de algumas coisas. Ja ha algum tempo que nao sinto saudades de casa. Que nao penso em Lisboa nem em como seria se la estivesse. Nao penso porque estou ca e sei que estar ca e mil vezes melhor para mim do que estar em Lisboa. Nao por Lisboa ser melhor ou pior mas sim por eu estar aqui, sozinho, a lutar.

Sim, tenho saudades. Do que mais tenho saudades e de um abraco e de um sorriso que eu conheca. Sim nao e facil estar sozinho. Mas estou mais forte. Faz-te mais forte. Faz-te conhecer os teus limites.

Es capaz de estar e viver sozinha numa cidade estranha? Nao sabes? Entao experimenta.

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Realmente tinhas razão, "bem grande"...fico aqui algum tempo a ler e a reler tudo isto, a mergulhar nesta aventura descrita em poucas palavras mas com uma carga tão forte e percebo cada vez melhor a importância de olharmos para dentro de nós, de lutar e arriscar mesmo com limites e com receios =) you did it! Por isso fico tãooooo contente e ainda mais por tares a conseguir td isto POR TI, só por ti =)
Mais uma vez digo q podes contar comigo SEMPRE...E n digo só por dizer, acho q sabes isso. Estamos aqui uns pelos outros né? Mesmo longe dá sempre para encurtar a distância de mtas maneiras, em qq altura. (dsc a minha dificuldade em sintetizar lol)

Um sorriso bem gd só para ti**
Filipa S

September 05, 2006 11:58 PM  
Blogger Alien said...

vi-te no msn mas não fui a tempo de enviar um "hallo!!!"

Diverte-te, sai de casa, de mapa na mão, mochila às costas e com os caminhos traçados dentro de ti.

Vontade e coragem não te faltam, por isso é só abrires os braços para começares a voar por cima de estradas, telhados, jardins, vidas, cidades. You are one true backpacker!

bjs

September 07, 2006 3:47 PM  
Anonymous Anonymous said...

a tua amiga Filipa deixou-te um sorriso... eu deixo-te um abraço...

pm

September 08, 2006 5:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

"Saio a rua so com a minha mala de tira colo. Agora sim estou seguro. Sou eu. Nao tenho etiqueta. Nao me visto como um turista. Ando como se a cidade fosse minha. Agora sim, sinto-me mais seguro."
Também é como prefiro passear por uma cidade nova.. As pequenas distâncias fazem-se a pé, se puder pelo caminho mais longo, ou por "aquela rua que não é tão directa mas passa por uma praçazinha no mapa, deixa ver..."
Em Berlin tive a oportunidade de passear sozinho. Tu verbalizaste o que senti em relação à cidade. A escala das ruas é impessoal, chega a incomodar quando se passeia por elas à noite.
Já criei a minha conta no Hospitality Club! Espero um dia ser-te útil aqui no Porto!
Um abraço, Filipe. (Ryanair: Frankfurt-Porto, lembras-te?)

September 24, 2006 1:51 PM  

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