26.9.06

Capítulo X – O derradeiro teste…

Abro o meu mapa da Europa em cima da mesa. Pego na caneta que me acompanhou e pouso a ponta na Invicta. Traço uma linha que segue para Sul. Contornos, rectas e curvas, descendo o país chego a Lisboa. Levanto a ponta da caneta. Cheguei. Olho o mapa uma vez mais. Consegui. Sinto orgulho… Sinto força e sonhos a brotar em mim. Sim, consegui.

Mas voltando um pouco atrás…

Depois de uns dias em Frankfurt chega a hora de partir. Seguir caminho, voltar a casa e passar para um próximo caminho na minha Viagem.

Meia-noite. Faltam duas horas e meia para sair de casa. Conto os minutos. Ansioso por chegar a casa. Por chegar a Portugal.

O tempo demora a passar. A minha anfitriã dorme.

Saio de casa às 2.45. Ela leva-me até à estação de comboios. Aí apanho a camioneta que me leva até ao aeroporto. Chegada prevista para as 4.45. Ligo a música e adormeço.

Chegamos. Mochila às costas. Check-in. Tempo de espera. Algum. Oiço música e escrevo.

Penso na viagem. Penso no que foi e em como nunca imaginaria há uns meses atrás estar neste aeroporto e tendo feito o caminho que fiz.

O avião levanta voo. Esqueci-me de como era voar. Onde está a magia da estrada? Voo sem falar. Sem companhia para a viagem. A estrada tem mais encanto. Paisagens, gente, conversa…

Parece que demora uma eternidade a chegar ao Porto. Entretanto troco sorrisos com os companheiros do banco de trás. Sinto uma aura boa neles. Sinto gente boa neles. Sim, acredito nas pessoas. Cada um tem o poder de decidir com que atitude enfrenta a Vida. Eu acredito!

Chegamos ao Porto e a iniciativa parte dele. Pergunta sobre as malas e eu continuo falando de viagens. A Vida mostra-nos oportunidades. Cabe a nós aproveitar esses momentos. Agarrá-los e interferir com a Vida. Parar o curso normal da água e falar com o do nosso lado.

Gente simpática. Estudantes. Sim viajei à boleia. Eles vieram de um InterRail.


Despeço-me. Deixo o contacto e a sugestão do Hospitality Club (dias depois venho a saber que ele se inscreveu… missão cumprida).

De metro vou para a Campanhã. Perguntam-me uma vez mais por Lisboa. “Não sei mas é uma cidade bonita.” Percebi como não conheço a cidade onde vivo. A mudar…

No Porto tomo pequeno-almoço com um membro do Hospitality Club. Não sem antes conhecer a minha futura companheira de viagem.

Chego à estação da Campanhã. Sou abordado por um sorriso de mochila às costas. “Vais para Lisboa?” “Sim mas não de comboio. Vou à boleia.” Pergunta se pode vir também. Claro que sim. És bem-vinda!

Pequeno-almoço com o Bruno. Passamos para o lado de Gaia e temos uma vista sobre a Invicta. Hora de partir.

Após estudo (incompleto) escolho a rotunda do Freixo como ponto de partida.

45 minutos passam sem que tenhamos boleia. Um senhor recomenda apanhar a camioneta ou o comboio. “São só 15 euros.” Vacilo… Se daqui a duas horas ainda aqui estivermos eu cedo. Até lá tenho um objectivo a cumprir.

Levanto o dedo e escrevo numa folha “A1 (Lisboa)”

Um carro pára. Até Gaia? Mais perto da A1? Claro que sim. Vamos.

Depois de muita conversa somos deixados numa estação de serviço. Considero a hipótese de ir até Leiria dentro da caixa de um camião TIR. A eslovena diz logo que sim. Felizmente encontro um lisboeta que volta a Lisboa. Boleia? Se compartirmos as portagens.. Primeira vez que me pedem dinheiro pela boleia. Claro! Por que não? É justo.

Muita, muita conversa. Gargalhadas e um pouco de casa no Português lisboeta que ele fala. Sensação boa. Temos umas horas pela frente por isso conversa não falta.

Chegamos a Lisboa e somos deixados frente à FCUL. Obrigado por tudo. Bom resto de viagem.

O carro parte. Grito. Grito tribal de alegria. Grito de SIM CONSEGUI!

Viajei à boleia em Portugal. Avisem nas ruas. Gritem pelos bairros. Gritem pela juventude de todo este país. É possível. Não só é possível como é uma experiência única. Libertem-se. Soltem-se. Contra todas as expectativas. Contra tudo o que m foi dito. Contra a maré consegui nadar. Contra a maré remei. E sim, cheguei onde queria. Porque lutei pelos meus sonhos. Porque os sonhos, quando são alimentados são mais forte que uma tempestade. Porque os sonhos estão à nossa frente. Porque os sonhos estão a um passo que só nós podemos decidir dar. Um só passo. Cabe a cada um realizá-los. Eu lutei pelos meus. Olho Lisboa e digo-lhe “Olá outra vez. Bom ver-te.” Sim cheguei a ti como queria. Bem-vindo de novo e parabéns, diz-me ela.

Sinto que as pessoas ficam felizes quando viajam comigo. Que vêem com os próprios olhos alguém que persegue os seus sonhos e os cumpre. Sentem-se bem e com sorte vão para casa com um sorriso pensando que não teriam tido aquele momento bom se não tivessem parado para me dar boleia. Sinto que ficam felizes quando se cruzam agora comigo e pensam: "Ele viajou à boleia pela Europa. No ano 2006 ele remou contra a maré e lutou pelos seus sonhos." Talvez se sentem de novo no sofá mas agora com alguma coisa a fazer comichão. A não deixar o mesmo sofá de sempre amolecer a força dentro de cada um. Mudo um pouco das pessoas. Mudo um pouco do mundo.

Deixo a minha companheira de viagem no metro do Campo Grande. Ano de ERASMUS pela frente. Boa sorte e boa Viagem.

Enfim rumo a minha segunda casa, já que as chaves para a primeira ficaram em cima da secretária. Afinal de contas, em dois meses em Barcelona para que precisava eu de chaves de casa?

Passo pelo Museu da Cidade. Encontro duas grandes amigas. Caminho para elas. A mochila vai para o chão. Gosto muito de ti mas nada substitui o abraço quente da amizade. Seguro-as. O mundo pára. Sim voltei para aqueles que me sentem no coração. Que me querem por perto e bem. Sim, o sorriso apodera-se de mim aí para não mais se soltar nos dias que se seguem.

Entro cada vez mais nas entranhas da FCUL. Cruzo-me com um senhor a quem devo muito. Agarrar oportunidades, não é? Ele estendeu-me uma fantástica oportunidade há ano e meio atrás. Abriu as mãos, envoltas de um sorriso, e mostrou-me o Hospitality Club. Obrigado Fernando. Também sem ti não seria a pessoa que sou hoje.

Caminho para o coração da FCUL: o C2. Pelo menos o coração que bate para mim e por mim.

Lá encontro um sorriso calmo. O mesmo sorriso apaixonado que me recebe quer esteja longe um dia ou dois meses. Sim um sorriso que me recebe e sem proferir uma palavra me diz: “Bem-vindo a casa. Bom ver-te e bom saber que estás feliz.”

Momentos depois o quadro muda por completo. Sou avistado. Os olhares passam por mim. Os músculos congelam. O cérebro envia o sinal. A manada vem. Os olhos cheios. Uma vez mais a mochila vai ao chão. Aliás, cai ao chão, pois não tenho quase tempo para me preparar. Sou atacado por abraços, olhares, sorrisos, beijos, mãos amigas que me acolhem e me mostram admiração e amor ao mesmo tempo. Vidas que me mudam e que eu mudo. Uns põem-se mais de lado. Não querem a confusão. Querem o meu par de olhos virados para eles. Todos os sentidos sintonizados neles. Sim, também eu quero isso Vítor. Também eu vos quero muito, com todos os meus sentidos.

O que desejei aconteceu. Fui recebido por aqueles que me corriam no coração enquanto viajava. Alguns desses ficam por ver mas no dia seguinte certamente que tropeçarei neles e receberei outro grande abraço (verificou-se pois no dia seguinte a Marta vem a correr para mim como se não houvesse amanhã e dá-me o maior abraço que alguma vez recebi dela). Difícil expressar o que isto me faz sentir. Difícil perceber o quanto estas pessoas significam para mim e eu para elas. Como um salto para cima de mim e um grande abraço me fazem sentir pequeno frente a tanto carinho. E sim, é para mim este carinho. Sim é para mim que vêm estes abraços. São meus e eu não sabia.

Adoro-vos, do fundo do coração e desejo que estejam sempre lá. Sempre cá, dentro de mim e eu de vocês.

Aos poucos vou encontrando olhares conhecidos, que me fazem sorrir e retribuem com um outro sorriso. Sim, é essa a minha linguagem. Todo o mundo me recebe bem assim. Eu recebo o mundo assim. Com um sorriso. Um por fora e um por dentro.

(o sono começa a assaltar o meu corpo…)

Conversas. Como foi. Como vai ser. O que é neste preciso momento. O que sou. Quem sou. Sim, voltei mais sábio. Digo-o sem falsas modéstias. Sim, voltei mais conhecedor. Sim, voltei com mais claridade e diferente. Tinhas razão Vítor. “Vai. Vai e volta um Miguel mais sábio.” Todos me deram uma palmada e me sorriram quando estava de partida para dois meses de trabalho em Barcelona. Esse sentimento foi multiplicado por dez agora que volto de um mês de viagem de boleia após outro em Barcelona. Sim, segui o meu sonho. Sim agarrei a oportunidade que me foi proporcionada.

Hora de rumar ao ninho. Hora de saciar as saudades de uma mãe que foi mantida na incógnita e na dúvida acerca da minha chegada, como a maioria das pessoas.

Chego a casa. Luzes apagadas. Mãe telefona e pergunta triste “Quando vens?” Respiro fundo e minto: “Não sei. Estou a passear.” Dói mas em breve passará. Mãe nas compras. Volto mais tarde.

Ao voltar só a minha irmã está em casa. Um abraço forte. Voltei. A mãe?

Escrevo “Casa?” no meu caderno dos destinos e prendo no sofá. Desligamos as luzes da casa e acendo um candeeiro virado para o caderno. Mãe leoa chega. Chama por mim. Ruge por mim. Abraça-me. Chora. Quase me bate. Alegria, dor, medo, orgulho, tudo de uma vez. Tudo comprimido durante dois meses e que rebenta agora. Explode em choro. Choro que recebo com um sorriso. Agora estou cá. Estou mais em mim que nunca. Estou cá ao pé de ti. E tu de mim.

Conversa pela noite fora. Mãe não pergunta muito da viagem. Não faz questão de saber pormenores. Não tem que saber o que foi para mim. Sabe que vai saber com tempo. Sabe que em mim as coisas vão assentar com o tempo. O que ela quer saber lê nos meus olhos. Vê em mim rebentando por todos os poros. Também eu saberei quais as consequências desta Viagem com o tempo e com a Vida e com o que ela me traz. Mãe fica a falar e no dia seguinte agradece pelo serão de conversa.

Vou me deitar. Volto ao meu quarto. Não é meu. Não sou eu. Vai passar a ser. Amanhã começo a mudança. Mudei por dentro. Vou mudar o que me rodeia. Vou me mudar. Depois de ter começado por dentro de mim começo agora nas camadas seguintes da cebola que me envolve. O meu quarto vai mudar. Vai ser o meu quarto. Amanhã compro uma cama nova e monto-a amanhã. Também uma agenda que se começa a encher de eventos culturais. Viver mais a minha cidade. Conhecer a Cinzenta. Conhecer a cidade onde tenho vivido de olhos fechados. Conhecer e dar a conhecer quando estiver preparado. Mudar a minha vivência nesta bela pequena grande cidade. O resto da mobília seguir-se-á. Começa agora a mudança.

Uma nova quebra na minha Vida. O novo ponto de viragem. O último foi no Verão de há dois anos. Agora sou confrontado com outro. Em constante crescimento. Em constante mutação.

Mudei. Voltei diferente. Voltei com estórias para contar. Com sentimentos para sentir. Com um sorriso maior e olhos que viram muitas coisas.

Voltei para mim e para vocês. Voltei para mudar a minha Vida e para virar uma página da minha Vida retomando, ou melhor reconstruindo, o meu presente.

Voltei para abraçar e sorrir com os que me querem.

Voltei para mostrar que basta lutar e os nossos sonhos estão a um passo de distância.

Voltei, acima de tudo, para mostrar que é possível.

Pronto para mudar a minha Vida.


Dois meses e muita Vida depois, voltei.

2 Comments:

Blogger Catita said...

Bem-vindo, amigo!
Aprendemos muito contigo. O teu blog foi ponto de inspiração para muita gente, falei de ti, e nao me canso de falar, sei que seguiste os teus sonhos, sem medos ou exitações que te fizessem voltar atrás.
Tal como toda a gente, cá estou para te receber, e para te fazer companhia na descoberta desta maravilhosa cidade que eu adoro e de quem sinto sempre saudades quando dela me separo.

Um Beijo
Catita

September 26, 2006 1:44 PM  
Blogger Sara said...

Estive a ler o que escreveste, e Enquanto lia só pensava " quem me dera conseguir ler mais rápido, à velocidade do pensamento, isto faz tanto sentido, são tudo coisas que já me questionei, mas sobre as quais nunca quis pensar muito, porque precisamente pensar sobre isto é inconveniente..."

Está um pôr do sol lindo em Coimbra.

November 07, 2006 6:06 PM  

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